NOTÍCIAS

07 DE DEZEMBRO DE 2021
Conjur – Artigo: ITBI, cessões de direitos aquisitivos e o Provimento 10/2021 da CGJ-TJ-PE – Por Marlo Caraciolo

A regularização imobiliária é um problema sério no Brasil. Percebe-se não apenas no dia a dia, conversando com pessoas e analisando as demandas recebidas em tabelionatos de notas, escritórios de corretores imobiliários e de advocacia, como também em estudos relevantes, tal qual o relatório do Banco Mundial denominado “Doing Business: subnacional Brasil 2021” [1].

Os esforços para mudar o cenário vêm ocorrendo, como se verifica na regulamentação do procedimento de usucapião extrajudicial, a partir do Código de Processo Civil (2015) e do Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis, bem como na Lei 13.465/2017, que dispõe sobre regularização fundiária rural e urbana.

Talvez o mais importante dos últimos anos tenha sido a regulamentação do procedimento de usucapião extrajudicial, realizado perante o ofício de registro de imóveis, conforme o citado Provimento 65/2017 do CNJ, que abrange mais hipóteses de regularização que outros institutos, e cria alternativa ao processo judicial para o reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião.

Mais recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe novo avanço para melhoria da situação fundiária no país. Trata-se da decisão sobre o Tema 1.124 das teses de repercussão geral da suprema corte [2].

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento, de observância obrigatória para os demais tribunais de justiça, de que o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e direitos a eles relativos (ITBI) somente é devido com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro no cartório de imóveis.

O caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal tratou especificamente como delimitado pelo ministro Luiz Fux, relator do recurso analisado, sobre a possibilidade de incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário.

Apesar da delimitação às situações de cessão de direitos de compra e venda, a decisão é de relevante utilidade para a regularização fundiária, já que no Brasil existe uma prática de realização de sucessivos negócios imobiliários sem o devido registro no ofício de registro de imóveis competente.

Certamente o exemplo mais comum é o do comprador que adquire o imóvel da proprietária, pessoa física ou jurídica indicada no registro do cartório de imóveis [3], não efetua o registro do título de aquisição no cartório de imóveis e, posteriormente, realiza sua venda para terceiro.

E essa é justamente a situação julgada pelo Supremo Tribunal Federal sob o Tema 1.124 das teses de repercussão geral.

Os municípios, talvez a sua maioria, exigiam o pagamento do ITBI em razão das duas transações. O primeiro ITBI, da proprietária para o comprador; e o segundo, do comprador para o terceiro adquirente.

Mesmo que os títulos das transações não fossem registrados, exigia-se o pagamento do ITBI. Se, em algum momento, as partes necessitassem regularizar a propriedade imobiliária, com a formalização das transferências pelos instrumentos adequados e seus respectivos registros, os impostos de cada transferência seriam exigidos pelo ente público e, inclusive, pelos tabelionatos de notas e ofícios de registro de imóveis, em decorrência do dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que praticam [4].

Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal diz aos municípios, competentes que são para instituir o ITBI, que podem exigir o ITBI apenas na transferência do imóvel, que se dá mediante o registro da escritura pública (ou contrato particular, em algumas situações específicas) no ofício de registro de imóveis.

Ou seja, o ITBI será devido para a transferência “definitiva”, assim denominada a transferência realizada junto ao ofício de registro de imóveis.

Se forem realizadas três transações imobiliárias, da pessoa proprietária para o primeiro adquirente, do primeiro adquirente para o segundo, do segundo para o terceiro adquirente, sendo que o terceiro adquirente pretende transferir a propriedade do imóvel para si (ou seja, mediante o registro do título translativo no registro de imóveis), o ITBI exigido será apenas para esta última transação.

As cessões anteriores não são suportes para a incidência de ITBI, cessões de direitos de promissários compradores, já que não há transferência da propriedade, pois a propriedade permanece sendo daquela pessoa indicada no registro do cartório de imóveis.

Assim, atenta à decisão do Supremo Tribunal Federal, e a fim de conferir segurança jurídica, maior celeridade, eficiência e economicidade aos atos praticados pelos notários e registradores, a Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco editou o Provimento 10/2021, publicado no Diário de Justiça do Estado em 16 de junho deste ano.

O Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE altera o Código de Normas das Serventias Notariais e de Registros do Estado de Pernambuco (CNSNR/PE), regulamentando os procedimentos a serem observados quando não estiver registrada a promessa de compra e venda e for do interesse das partes a manutenção dos negócios jurídicos preliminares de promessa e cessão de direitos no âmbito do direito obrigacional.

Logo no primeiro inciso do novo artigo 1.081 [5], cuja redação foi reformada com o Provimento 10/2021, percebe-se a melhoria do ambiente para a regularização da propriedade imobiliária.

O inciso I do artigo 1.081 do CNSNR/PE estabelece que o título definitivo a ser registrado, celebrado em cumprimento de negócios jurídicos obrigacionais anteriores, deve ser outorgado pelo titular do domínio diretamente ao último cessionário, independentemente da anuência dos cedentes no título.

O inciso II [6] tem semelhante finalidade, contudo, tratando da situação específica da ação de adjudicação compulsória. Estabelece que, em se tratando de carta de sentença da ação de adjudicação compulsória, ajuizada diretamente contra o titular do domínio pelo último cessionário dos direitos de promissário comprador, para o seu registro não será exigível a presença dos cedentes como litisconsortes.

Os dois primeiros incisos do novo artigo 1.081 do CNSNR/PE deixam claro que a participação dos cessionários intermediários deixou de ser obrigatória nos títulos, judicial e extrajudicial, que serão levados a registro com a celebração do negócio definitivo, para efetiva transferência da propriedade.

Anteriormente, as partes interessadas na regularização do imóvel com a efetiva transferência da propriedade teriam de buscar todos os cedentes e cessionários para assinar a escritura pública definitiva, ou teriam de incluí-los em ação de adjudicação compulsória ou fornecer todos os seus documentos para o ofício de registro de imóveis no momento do registro.

Essa obrigatória participação dos cedentes e cessionários intermediários dificultava a regularização imobiliária. Muitas vezes, inclusive, inviabilizando-a, pois as pessoas intermediárias haviam falecido, estavam em local totalmente desconhecido, ou, até mesmo, entendiam que não possuíam qualquer responsabilidade ou obrigação com o negócio realizado.

O caminho estabelecido com o Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, em conformidade com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado sob repercussão geral, exige apenas dos principais interessados, proprietário e adquirente “definitivo”.

O proprietário deve ter total interesse na regularização imobiliária porque as obrigações tributárias e ambientais são vinculadas ao imóvel e, por isso, pode sofrer com cobranças de tributos como o IPTU e o ITR, ou de taxas condominiais, dentre outras possíveis responsabilidades.

O adquirente deve ter interesse na regularização para se tornar proprietário do bem imóvel. Só é dono (proprietário) quem registra. Essa é a máxima quando se trata de bens imóveis no Brasil.

Ademais, não transferir a propriedade traz ao adquirente o risco de perdê-la em situações como a dupla venda, em caso de má-fé dos anteriores titulares dos direitos, bem como o risco de perder o imóvel por dívidas do proprietário.

Já o inciso III [7], artigo 1.081, do CNSNR/PE trata da parte registral, estabelecendo que os negócios intermediários de promessa de compra e venda e cessão de direitos, denominados títulos preliminares obrigacionais no Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, quando indicados na escritura pública ou na carta de adjudicação, serão averbados na matrícula do imóvel, sem necessidade de apresentação dos originais dos títulos obrigacionais mencionados.

Portanto, nas escrituras públicas e na carta de adjudicação, as partes e seus auxiliares jurídicos deverão observar se constam as informações obrigatórias para que o ofício de registro de imóveis averbe a existência de títulos preliminares obrigacionais. As informações obrigatórias são: a natureza jurídica, a data e o valor declarado de cada título obrigacional intermediário.

O inciso IV [9] estabelece que os negócios jurídicos não constituem ou transferem direito real, por esse motivo, esse inciso esclarece e complementa o inciso III, que denomina os negócios intermediários de títulos preliminares obrigacionais.

Por sua vez, o inciso V [9] estabelece o ápice do Provimento 10/2021 da CGJ-TJPE, pode-se assim dizer, para as pessoas interessadas na regularização da propriedade imobiliária e para os tabeliães e registradores, pois assegura que não haverá controle de ITBI para as cessões de direitos e compromisso de compra e venda não registrados.

Às pessoas, o provimento garante a observância da decisão do Supremo Tribunal Federal de modo uniforme no estado de Pernambuco, pondo-as a salvo de atrasos nas atualizações legislativas municipais.

Aos tabeliães e registradores, assegura que lavrem e registrem os atos sem risco de sanção administrativa-disciplinar por falta de observância da legislação tributária [10].

Por fim, o inciso VI [11] nos parece uma ratificação do inciso III, pois dispõe como obrigatório ao registrador de imóveis no ato de registro envolvendo a transferência de domínio não exigir que os títulos preliminares sejam registrados e proceder com a averbação na matrícula do imóvel a notícia dos negócios jurídicos preliminares obrigacionais, informando, inclusive, a data e o valor relativos às cessões de direitos e compromisso de compra e venda.

Com o Provimento 10/2021 da CGJ-TJ-PE, a regularização da propriedade imobiliária ficou mais acessível, mais prática e mais célere para algumas situações; por consequência, recomenda-se aos titulares de direitos aquisitivos e aos operadores do mercado imobiliário que fiquem atentos às possíveis soluções de casos.

O imóvel regularizado transita com mais facilidade no mercado, tem maior valor de avaliação, fica disponível para ser oferecido em garantia de empréstimos e financiamentos, enfim, oferece os direitos e benefícios que só ao proprietário é assegurado.

_______

[1] Capítulo 5 – Registro de propriedades. Disponível em https://portugues.doingbusiness.org/pt/reports/subnational-reports/brazil. Acesso em 19/09/2021.

[2] ARE 1.294.969 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

[3] “Código Civil, Artigo 1.245 – Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Artigo 1.246 – O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”.

[4] “Lei 8.935/1994 (Regulamenta o artigo 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro), Artigo 30 – São deveres dos notários e dos oficiais de registro: XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar”.

[5] “Artigo 1.081 – Quando não estiver registrada a promessa de compra e venda e for do interesse das partes a manutenção dos negócios jurídicos preliminares de promessa e cessão de direitos no âmbito do direito obrigacional, serão observados os seguintes aspectos:
I – O título definitivo a ser registrado, celebrado em cumprimento de negócios jurídicos obrigacionais anteriores, deve ser outorgado pelo titular do domínio diretamente ao último cessionário, independentemente da anuência dos cedentes no título”.

[6] “II – Tratando-se de carta de sentença da ação de adjudicação compulsória, ajuizada diretamente contra o titular do domínio pelo último cessionário dos direitos de promissário comprador, não será exigível a presença dos cedentes como litisconsortes, para o seu registro”.

[7] “III – A notícia da existência de títulos preliminares obrigacionais será averbada, previamente ao registro do título definitivo, com base na descrição dos negócios jurídicos de promessa de compra e venda e cessão de direitos, constantes do próprio título definitivo (Carta de sentença da adjudicação compulsória ou escritura definitiva), sem a necessidade de apresentação dos originais desses títulos obrigacionais, e essa averbação indicará apenas a natureza jurídica, a data e o valor declarado dos títulos obrigacionais intermediários, ao menos do primeiro compromisso de compra e venda celebrado e da última cessão de direitos”.

[8] “IV – Por não constituir ou transferir direito real, a averbação citada no inciso anterior terá como base de cálculo o valor declarado pelas partes para a última cessão de direitos e não o valor fiscal do imóvel”.

[9] “V – Não haverá controle do recolhimento de ITBI para as cessões de direitos e compromisso de compra e venda não registrados”.

[10] Em razão do alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal em regime de repercussão geral, que não vincularia os municípios ao seu cumprimento, mas apenas o próprio Poder Judiciário, há risco de os municípios cobrarem de tabeliães e registradores o ITBI de negócios intermediários, portanto, é pertinente uma análise atenta da situação e da legislação municipal. Neste artigo não vamos abordar as questões envolvendo o alcance da decisão em regime de repercussão geral e seus efeitos vinculativos no Poder Judiciário, nas esferas jurisdicional e administrativa, e nos demais poderes.

[11] “VI – Obrigatoriamente, deverá o registrador, no ato de registro envolvendo a transferência de domínio, sem a exigência de que os títulos preliminares sejam registrados, proceder à averbação na matrícula da notícia dos negócios jurídicos preliminares obrigacionais, informando, inclusive, a data e o valor relativos às cessões de direitos e compromisso de compra e venda”.

*Marlo Caraciolo é advogado e especialista em contratos pela Universidade Federal de Pernambuco.

Fonte: Conjur

Outras Notícias

Anoreg RS

07 DE MAIO DE 2024
Nota da Corregedoria Nacional sobre ações para regularizar documentação da população atingida no RS

As fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos dias provocaram estragos em 332 municípios,...


Anoreg RS

06 DE MAIO DE 2024
Sem sinal de celular? Saiba como configurar o telefone para usar outra operadora

Empresas fizeram acordo para driblar problemas de conexão causados pelas enchentes no RS. Veja nesta reportagem...


Anoreg RS

06 DE MAIO DE 2024
Inscrições Abertas para o 20º Encontro Convergência 2024 em Minas Gerais

Evento que reúne tabeliães de protesto de todo o Brasil será realizado entre os dias 25 e 27 de setembro no Tauá...


Anoreg RS

06 DE MAIO DE 2024
Artigo – Domicílio eletrônico judicial e o acesso concentrado às comunicações do Poder Judiciário

O Domicílio Eletrônico Judicial é uma ferramenta que integra o Programa Justiça 4.0, iniciado em 2023, e que tem...


Anoreg RS

06 DE MAIO DE 2024
ANOREG/BR celebra 40 anos de compromisso com os notários e registradores do Brasil

A entidade se tornou um farol de referência para mais de 13 mil cartórios distribuídos por todo o território...


Anoreg RS

06 DE MAIO DE 2024
ANOREG/BR abre as inscrições para o PQTA 2024

A premiação celebra 20 anos de reconhecimento à excelência dos serviços notariais e de registro no país.


Anoreg RS

03 DE MAIO DE 2024
Provimento determina a suspensão de expediente presencial nas serventias extrajudiciais do Rio Grande do Sul, entre os dias 6 e 10 de maio e na prorrogação de prazos de atos, em decorrência da decretação do estado de calamidade pública

Dispõe quanto aos procedimentos a serem adotados nos Serviços Extrajudiciais, entre os dias 06 e 10 de maio de...


Anoreg RS

03 DE MAIO DE 2024
Portaria nº 076/2024-P determina a prorrogação dos prazos processuais que se vencerem nos dias 02 e 03 de maio de 2024

Esta portaria entra em vigor no primeiro dia útil seguinte à data de sua disponibilização no Diário da Justiça...


Anoreg RS

03 DE MAIO DE 2024
Portaria nº 43/2024-DF determina a suspensão do expediente presencial das serventias extrajudiciais de Porto Alegre

Será mantido o funcionamento ininterrupto do plantão pelo RCPN.


Anoreg RS

03 DE MAIO DE 2024
Ato Conjunto 001/2024-P E CGJ determina a suspensão do expediente presencial dos serviços extrajudiciais nos dias 02 e 03 de maio, com a prorrogação dos prazos processuais

Compete aos diretores de foro a adoção de outras medidas medidas que entenderem pertinentes no âmbito do primeiro...